A transição energética avança em ritmo acelerado no mundo, com a substituição progressiva dos combustíveis fósseis por fontes renováveis, como solar e eólica. Mas, para que essa transformação ganhe escala com segurança e estabilidade, é indispensável investir em infraestrutura de armazenamento de energia. O Brasil, embora seja referência em fontes limpas, ainda caminha devagar nessa frente essencial – e corre o risco de comprometer os ganhos da própria transição, caso não acelere.
A intermitência das fontes renováveis impõe um desafio conhecido: o sol não brilha à noite, o vento não sopra o tempo todo. As variações na geração e no consumo podem comprometer a estabilidade da rede elétrica, a menos que existam soluções capazes de absorver o excedente gerado e distribuí-lo nos momentos certos. O armazenamento responde diretamente a essa necessidade, viabilizando o uso pleno das renováveis, reduzindo o desperdício de energia e diminuindo a dependência de usinas térmicas, mais caras e poluentes. Além disso, atua como uma reserva estratégica para situações de emergência, especialmente em regiões vulneráveis a falhas de infraestrutura e eventos climáticos extremos.
Esse entendimento já está consolidado globalmente. Em 2023, a capacidade instalada de armazenamento em baterias no mundo alcançou 55,7 GW – um crescimento de 120% em relação ao ano anterior. A liderança é da China, com 27,1 GW, seguida pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Tecnologias emergentes como baterias de fluxo, armazenamento térmico e vetores como o hidrogênio vêm ganhando espaço como alternativas viáveis para aplicações de longa duração.
Outra frente em expansão são as microrredes integradas a sistemas de armazenamento, que vêm sendo implantadas em regiões críticas de países como Estados Unidos e Porto Rico. Hospitais, escolas e centros comunitários operam com autonomia energética em situações de emergência, garantindo resiliência, confiabilidade e continuidade dos serviços essenciais.
As microrredes, por definição, são estruturas locais de geração e distribuição de energia, que podem operar isoladas ou conectadas à rede principal. Quando combinadas ao armazenamento, tornam-se peças-chave na modernização da infraestrutura elétrica: oferecem autonomia para comunidades remotas, reduzem perdas com transmissão, aliviam a carga da rede central e fortalecem a resposta a apagões ou desastres climáticos.
No Brasil, apesar do protagonismo em energia limpa – quase 90% da matriz elétrica é composta por fontes renováveis -, o avanço do armazenamento ainda é tímido. Em 2024, a capacidade instalada foi de apenas 269 MWh, totalizando 685 MWh no país. Desse total, cerca de 70% está fora da rede central, concentrado em aplicações isoladas ou em áreas remotas. As projeções são otimistas: segundo estudos, o Brasil poderia alcançar 18,2 GW em capacidade de armazenamento até 2040, movimentando um mercado de até US$ 12,5 bilhões por ano. No entanto, isso depende de uma série de ajustes estruturais e regulatórios.
Projetos-piloto têm sido desenvolvidos com recursos de P&D da Aneel, como o realizado pela Cemig, em parceria com a UFMG, a ITEM e a Concert Technologies. A iniciativa, implementada no ambiente da própria universidade, testa a viabilidade técnica e econômica da integração entre geração renovável, armazenamento e operação em microrrede. Os resultados têm mostrado caminhos promissores, mas ainda esbarram em desafios como a ausência de uma regulação específica para o armazenamento na matriz elétrica, a falta de mecanismos de financiamento acessíveis, a dificuldade de integrar essas soluções às políticas de universalização da energia e a concentração de esforços em grandes usinas centralizadas.
Neste ano teremos um marco promissor. O primeiro leilão de armazenamento em baterias no Brasil está previsto para o segundo semestre de 2025, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME) – um passo fundamental para destravar investimentos, estimular a prestação de serviços ao sistema elétrico e reduzir custos para o consumidor.
O armazenamento não pode mais ser tratado como uma tecnologia acessória. É uma infraestrutura crítica, que viabiliza uma matriz mais inteligente, resiliente e distribuída. Associado a microrredes, é capaz de aproximar o sistema elétrico da realidade dos usuários, com mais flexibilidade, confiabilidade e eficiência.
O mundo já está agindo. O Brasil tem um potencial energético excepcional – eólica no Nordeste, solar em praticamente todo o território, biomassa em várias regiões -, mas precisa traduzir esse potencial em estratégia. É urgente avançar na criação de uma regulação clara e específica para o armazenamento, estabelecer mecanismos de incentivo e financiamento, incorporar microrredes e armazenamento ao planejamento energético nacional e investir em capacitação técnica. O leilão de 2025 pode ser o início deste caminho. A transição energética brasileira só será completa quando estiver apoiada em uma base flexível, descentralizada e inteligente – e isso passa, necessariamente, pelo armazenamento.
Sobre o autor:
Petrônio Spyer é Sócio Diretor da Concert Technologies.
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