Redes elétricas na América Latina devem custar mais de US$ 430 bilhões, prevê Adelat

Para a Associação de Distribuidores de Eletricidade Latino-Americana (Adelat), o desafio é definir como financiar a modernização e digitalização das redes de energia. Tema foi debatido durante 16º Fórum Latino-Americano de Redes Inteligentes, que se encerrou ontem, em São Paulo

Preparar as redes de energia elétrica na América Latina para responderem rapidamente aos cada vez mais frequentes eventos climáticos extremos, além de tornar sua estrutura adequada para receberem a energia de fontes renováveis variáveis, como a eólica e a solar, vão demandar investimentos superiores a US$ 430 bilhões (R$ 2,3 trilhão) nos próximos 16 anos.

O cálculo, que envolve apenas sete países-chaves da região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala e Peru) é da Associação de Distribuidores de Eletricidade Latino-Americana (Adelat) e foi apresentado durante o 16º Fórum Latino-Americano de Redes Inteligentes (Smart Grid), durante o painel Sustentabilidade das empresas de distribuição elétrica na América Latina, que ocorreu esta semana em São Paulo, com a participação, ainda de representantes da ANEEL, da ARIAE (Espanha), do Centro de Estudos de Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas, do Comissão de Integração Energética Regional (CIER), do Uruguai e da Aliança Colômbia Inteligente.

O valor do investimento nas redes elétricas do continente foi apresentado por Alessandra Amaral, diretora executiva da Adelat, que congrega as principais distribuidoras de energia elétrica na América Latina. No cálculo estão incluídos os investimentos para ampliação da rede (33%), modernização e melhoria da infraestrutura com implantação de parcial de redes subterrâneas e sistemas digitais de medição (29%) e preparação da rede para novos usos (10%).

No caso específico do Brasil, a Adelat aponta a necessidade de US$ 90 bilhões (cerca de R$ 490 bilhões) até 2040. Isso representa um investimento médio anual de mais de R$ 30 bilhões.“São números expressivos, mas é importante lembrar que não realizar esses investimentos implicará em outros tipos de custos”, alertou a diretora executiva da entidade.

Para Amaral, a tendência é que os problemas de inadequação das redes para a absorção das energias de fontes renováveis variáveis e falta de resiliências aos eventos climáticos extremos, só devem aumentar nos próximos anos.

Quem paga a conta?

Os valores para tornar as redes elétricas mais eficientes e melhor preparadas para enfrentar o novo normal do clima são expressivos e propõe a pergunta: quem paga essa conta?

Entre as propostas estão a redução dos subsídios do setor elétrico que, segundo a Aneel, neste ano devem atingir R$ 37 bilhões, mas que podem chegar a R$ 45 bilhões. Estão incluídos nesse valor a tarifa social para consumidores de baixa renda, os recursos do programa Luz para Todos, descontos para a compra de carvão por usinas térmica e subvenções para usinas eólicas e solares, sendo que esse último é o que recebe a maior parcela desses subsídios (cerca de 44%).

“Os subsídios são uma conta salgada. Cabe aos legisladores e formuladores de política definir como ela deve ser paga”, pontuou Carlos Alberto Mattar, superintendente de Regulação dos Serviços de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e diretor da Associação Ibero-Americana de Entidades Reguladoras de Energia (ARIAE), que também participou do painel. E complementou: “importante lembrar que, no Brasil, a conta de energia elétrica representa quase 10% do orçamento familiar para quase 1/3 dos consumidores residenciais”, complementou.

Alternativas

De acordo com Mattar, uma das alternativas para reduzir o repasse dessa conta para os consumidores é possibilitar que as distribuidoras ofereçam outros serviços aos consumidores, além da comercialização da energia elétrica. “Teremos nos próximos seis anos a renovação de 19 concessões de empresas de distribuição de energia e, no processo de recontratação, está previsto a liberação que as concessionárias prestem outros serviços como, por exemplo, o de telecomunicações”, disse.

De acordo com Mattar, a agência abriu em outubro processo de consulta pública que visa ouvir o mercado e a população sobre a renovação dos contratos de concessões para as distribuidoras. “Incluímos também nos novos contratos metas de eficiência na recomposição dos serviços após eventos climáticos extremos”, informou.

Transição energética justa

Para Joísa Dutra, diretora do Centro de Estudos de Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (CERI-FGV), os investimentos em modernização das redes são muito necessários, mas isso não pode ser feito apenas pela priorização dos aspectos operacionais. “O consumidor precisa ser considerado. O governo brasileiro tem se posicionado, inclusive no G20, por uma transição energética justa. Então precisamos falar de justiça nesse processo”, disse.

Ela também destacou que as distribuidoras deveriam indicar claramente os benefícios que cada aspecto da modernização das redes trará aos consumidores, em particular os medidores digitais. “As distribuidoras precisam esclarecer isso. Se o consumidor vai pagar, é oportuno indicar o que será pago e porque isso será bom para ele. Há experiências internacionais em que as distribuidoras tentaram impor essa mudança e fracassaram”, disse. A diretora do CERI-FGV disse ainda que as mudanças, apesar de importantes, devem ser implementadas de forma gradual e começar pelos locais em que essa modernização é mais necessária.

Foco na geração

Túlio Alves, diretor executivo da Comissão de Integração Energética Regional (CIER), sediada no Uruguai, lembrou que nos últimos anos, os governos latinos se preocuparam mais em incentivar a geração de energias renováveis do que a modernização das redes. Para ele, alguns países avançaram rapidamente na produção de energias renováveis não convencionais, como a solar e a eólica, mas não tiveram o mesmo cuidado em incentivar a modernização das redes.

“Transição energética não implica apenas na mudança das fontes de produção de energia, mas também na forma como essa energia é transportada, distribuída e consumida”, disse Alves. De acordo com o diretor da CIER, a adaptação das redes de distribuição é fundamental para garantir a estabilidade do novo paradigma energético.

Para o painelista, cabe aos gestores de políticas públicas definirem tarifas e incentivos apropriados ao sistema elétrico, que reflitam os custos reais e permitam a modernização dos sistemas. “É preciso que as pessoas entendam que sem redes de transmissão e distribuição adequadas, não há transição energética. As redes precisam ser adaptadas para gerenciar, especialmente, a variabilidade da geração de energia eólica e solar, a depender das condições climáticas”, argumentou.

Do ponto de vista da segurança do sistema, Alves destacou que, além das redes com maior resiliência, é fundamental a diversificação das fontes. “Não podemos abrir mão da geração hidrelétrica e das termoelétricas, que garantem geração continuada. A segurança energética também depende de fontes diversificadas”, alertou.

Experiência colombiana

Durante o painel também foi apresentada a experiência de modernização das redes de transmissão na Colômbia. Juan David Molina Castro, líder de gestão da Aliança Colômbia Inteligente, disse que o avanço na modernização, para ser eficiente, envolve políticas públicas adequadas, regulação, planejamento, vigilância e controle. “Além disso para avançar é importante termos disponíveis recursos, dados e infraestrutura. E não podemos esquecer de envolver o consumidor nesse processo”, destacou.

De acordo com Castro, a Colômbia possui 29 operadoras, que estão implementando a modernização das redes de forma gradual e estratégica. “Duas já fizeram importantes avanços no restabelecimento automático das redes e outras duas estão fazendo essa atualização, uma já implementou gestão avançada de dados e outras quatro estão em fase de implementação e 15 delas estão desenvolvendo estruturas para o carregamento de veículos elétricos”, enumerou. “O principal avanço registrado até agora é na absorção da geração distribuída, mas estamos seguindo e nos próximos anos temos expectativas de atingirmos nossa meta de tornar inteligentes as redes elétricas colombianas”, previu.

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